Joao Gilberto Noll

Vou deixar aqui apenas um trecho do terceiro livro que estou lendo, após "O quieto animal da esquina" e "Hotel Atlântico", do escritor genial que é o Noll. É o mínimo que eu podia fazer. Estou certo de que, como eu, muitas outras pessoas vao se emocionar ao descobrir a literatura desse homem que tao bem sabe e entende o que é ser ser-humano. Ao terminar de ler cada um dos dois livros que já li dele, fiquei consternado por umas horas porque os finais nao eram exatamente felizes, mas também saí feliz dessas leituras porque eu sabia (sim, sabia) que tinha estado em contato com a Arte, com a Poesia, com a Beleza. Arrepiante.

“[...] ouço o mar e respiro. [...] Tenho a paz: nao quero mais, nao espero a herança prometida em papel-bíblia, sou aquele que nunca visei porque nao podia vislumbrar até aqui, a carreira da vida é um constante assombro quando nos vemos assim de repente frente ao Mar a sós com ele e nos perguntamos: sou eu este que olha o Mar em meio à jornada? Sou eu este momento com um passado que desconheço? Sou eu à deriva ou me construo? Sou eu o meu passado ou ele nao passa de uma ferida para sempre coagulada? Sou eu o meu presente? E este instante assim avulso, sou eu? A quem pertenço se nao aos elementos? Recordar é viver? Ou tudo nao passa de um mesmo ai? Sou um elo da força ou uma ameba incrustada num vao do Universo? Faço parte? Tenho futuro? Alguém me chama? Alguém me reclama? Alguém me resgata? Alguém me ilude com a voz aliciadora? Alguém me mata me consome? Alguém me toca? Me ilumina? Me desgasta? Alguém se disfarça sob a capa das coisas? Alguém me convence? Me distrai? Alguém me olha daí onde ninguém está? Sou eu próprio esse alguém? Há mais alguém no ar? E se houver responde? A solidao é fruto da derrota ou condiçao dos vivos? Alguém é alguém ou ninguém se habilita? Alguém redime? É parte de mim? A verdade repercute de alguma forma na ilusao? A mentira resiste? E a mentira existe? O estado de injustiça em que padecem os homens serve a quê? Há sentido à espera? Por quais vias se trilha a transformaçao do corpo e da alma? Há sentido? O dia virá? - rogando por todas as perguntas eu me inclino, depois entro no Mar sem tirar a roupa [...]”


Joao Gilberto Noll, A fúria do corpo