sexta-feira, 22 de maio de 2009

Six Feet Under


Parece que tudo começou com esse vídeo que descobri no Youtube ontem já passava da meia-noite, e as lembranças que ele acendeu em mim desta série que me emocionou tanto. Estranho eu falar assim porque, afinal, Six Feet Under é só ficção, é televisão - que eu, geralmente e com razão, subestimo sua capacidade de me emocionar e surpreender - não é a vida real, tocando-me e me fazendo suspirar. Mas a questão não é minha emoção com o virtual e minha indiferença com a realidade. Sei que posso me emocionar com ambos. A questão é como SFU consegue fazer isso comigo. E penso que é por que, sendo ficção, esta série tem na verdade muito pouco de ficcional. Pelo que conheço de mim e pelo que deduzo conhecer do restante das pessoas, penso que a série fala de dúvidas universais que habitam em todos nós, mudando apenas o grau de consciência que cada pessoa tem delas, porque essa consciência se relaciona aqui com alguns temas filosóficos: quanto cada um conhece de si mesmo e quanta coragem tem para chamar as inquietações à superfície da consciência e pensar sobre elas.
Talvez porque eu não via quase ninguém confessando ser habitado por esses demônios ou sendo afligido por eles, como eu era muitas vezes, SFU me fascinou tanto. Já sabia que o fato de eu não ver pessoas admitindo amargarem essas dúvidas não significava que elas fossem só minhas e, mesmo assim, não podia deixar de me emocionar com a rara coragem, particularmente por se tratar de televisão, que SFU tinha de expor esses demônios, de falar a respeito das inquietações e de todos os espectros que usam perseguir a existência das pessoas de mentes e pensamentos mais profundos.
Acompanhando de perto a vida da família Fischer - entendida por mim como uma família possível, verossímil - pelas cinco temporadas que perfazem a série, pude confirmar minha "tese das dúvidas" e ter uma intrigante sensação de amenização da solidão que eu experimentava por não ver quase ninguém falando sobre seus demônios. "É, eu não estava sozinho nem era o único louco cujas dúvidas às vezes me paralisavam". Quando todo mundo estava a abafar a existência dessas inquietações, SFU expunha e refletia, com a necessária dose de humor negro, sobre esses temas existenciais, o que era às vezes constrangedor ou mesmo assustador, mas também sincero e lindo.
Aconteceu então que despertei ontem a noite toda essa dimensão SFU da minha vida em que as reflexões existenciais, e também os demônios, correm soltos. E fui dormir uma noite tumultuada, primeiro por pensamentos e, depois de um implausível telefonema às 4h da manhã, por pesadelos. O telefonema, de algum colega bêbado que felizmente não sei quem é, foi o estopim. Despertei dizendo "aconteceu. Alguma coisa terrível que espero acontecer, já é". Lembro-me de mandar alguém pro inferno, ir zumbiticamente à cozinha buscar água e de já ter início a procissão de pesadelos que tenho a impressão de ter sido ininterrupta até as 8h quando meu relógio despertou.
Levantei com a alma embargada. Um sentimento pesaroso por perceber a inutilidade do meu amor por aqueles poucos que suponho me amarem, no que diz respeito a ser capaz de protegê-los e livrá-los dos demônios que são a dúvida, o tédio, a insegurança em relação à permanência de tudo o que possuímos e o medo de viver em plenitude. Amá-los é ridiculamente insuficiente para lhes tornar a existência mais leve e feliz, como eu tanto desejaria, e, ao mesmo tempo, amá-los é só o que posso fazer porque as perguntas se serão felizes ou não, se suas vidas serão leves ou pesadas estão no interior de um universo que se fecha em si do mesmo modo que cada corpo é fechado e isolado dos outros e que não posso transpor e agir nele.
De manhã, tive uma conversa no msn e depois por telefone com uma dessas pessoas imensamente queridas. Ainda impressionado pelos sonhos da noite anterior, perdi a oportunidade que tive de dizer alguma coisa lógica ou de tentar dizer, mas desisti a priori e depois arrependi. Conversa lacônica encerrada e eu tinha pouquíssimo tempo para o almoço, pouca comida e pouca vontade de cozinhar, mas tomei coragem pra cozinhar uma massa com molho de carne. Um pouco antes do molho ficar bom, um acidente fez com que ele se esparramasse todo no chão da cozinha. Eu estava tão triste que estive para chorar, mas isso já tinha acontecido antes durante um breve momento pela beleza do gesto do meu amigo me ligando por telefone. Não foi uma manhã fácil.

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