sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Ondas

- 4 miligramas de Rivotril, por favor. Preciso dormir por 15 horas seguidas. Meus problemas vão se resolver sozinhos, não vão? Quando eu acordar eles terão se resolvido, né? Quero dormir até não ter mais problemas. Quero ficar off até meus problemas terem se dissolvido no ar. Não quero dizer “oi”, não quero responder “como vou”.
Liguei pra imobiliária há pouco “Alô, Luciana? Você me ligou? Vi seu número no meu telefone, eu tava no banho, e aí?” [e aí, deu tudo certo, né? Posso ir aí pegar minhas chaves e tentar ser feliz no meu novo ap. vintage?], “Sabe o que foi, Francis, a Declaração de Imposto de Renda que você me passou do seu primo não é do ano passado, não. Ela não serve, tem de ser a do ano passado.”, com a apatia robótica de quem não se importa se estou indo me foder.
Só ontem gastei 100 reais com essa vaca [preciso direcionar minha raiva pela burocracia das imobiliárias a alguém com um corpo e um rosto, e o substantivo “vaca” é bastante cabível a uma mulher que tem seios do tamanho de melões e usa top com estampa de oncinha] pra fazer a “reserva de interesse no ap.”, que não consegui entender pra que, por deus, fazer uma “reserva de interesse” se eu já estava entregando todos os documentos, se eu já tinha ido a todos os cartórios, se eu já tinha colhido todas as assinaturas que a imobiliária exigia para [ironia] apenas analisar se meu interesse em alugar o ap. seria aceito? Disse pra Luciana que “minha situação financeira não era das melhores”, desejoso de receber algum desconto nestes 100 reais, mas ela só mordeu os lábios significando que não-podia-fazer-nada-que-eu-tinha-me-humilhado-à-toa-que-toda-essa-burocracia-estava-acima-dela. Paguei os 100.
Ontem também já tinha enchido o saco do meu primo e da sua esposa pedindo documentos e assinaturas dos dois e não esperava ter de tornar a cansá-los tão cedo. Desliguei a ligação da Luciana, respirei fundo, pensei em morrer umas duas vezes, perguntei-me se eu tinha orgulho mas não descobri a resposta, e fui falar com o primo que a “Declaração que ele tinha me passado era do ano retrasado e que eu precisava da última, da do ano passado.” Ele se mostrou cansado, respirou lentamente, como geralmente faz diante das dificuldades, mas fez um gesto empenhado de buscar entre os papéis da mesa o documento que eu precisava. Não encontrou. Fingi estar sereno e disposto a esperar até segunda-feira pra ele conseguir encontrar o tal documento, pra ele não pensar que eu o pressionava, e mencionei alguma coisa sobre os empecilhos colocados pelas imobiliárias, pra ele entender que eu, tanto como ele, achava isso tudo um porre.
Na verdade, eu muito mais que ele, claro. Não tinha sido ninguém senão eu que todas as cinco vezes que fui à imobiliária, tinha tanta pressa, que sempre cheguei suado como um cavalo e me sentia tão estrangeiro àquele ambiente de paredes alvas e de seriedade e assepsia presunçosas que me sentia embaraçado e que, alguma vez, em minha defesa, tentei ridicularizar o tom daquele ambiente, mas ninguém foi capaz de entender e só consegui fazer que eles pensassem, não sem razão, que sou louco.
Hoje tenho o cansaço dos que são totalmente sozinhos. Sem amigos e sem família. O coração confia que haja algum amor direcionado a mim. [...] Mas meus últimos discursos só me mostraram como as palavras também podem isolar e como posso não ser entendido e estar sozinho mesmo tentando, pela palavra, encontrar o outro. Há solidões onde não chegam pontes. Tanto discurso gasto para desgastar relações, meu deus. Tantas ondas desgastando rochas. Relações feridas em tão poucas semanas, que hoje temi um discurso pessoal e decidi fazê-lo a todos ou a ninguém, simplesmente soltando meu cansaço de mim, escrevendo aqui e tentando ser eu mesmo minha companhia.

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