Vontade súbita de chorar no final de "Manda Bala", documentário do americano Jason Kohn. O choro por vezes é o caminho que tomam os que não podem argumentar, como as crianças, ou como alguns adultos diante de um problema ou situação para o qual não crêem haver argumentos ou justificativas possíveis: então se chora, infantilmente, como as crianças. Chora-se onde não há palavras, onde o absurdo dissolveu a razão. Em muitos momentos durante o filme, senti-me assim: diante de um absurdo tão grande, de um paradoxo tão incontornável que toda habilidade lingüístico-cognitiva me pareceu deixar de fazer sentido, não havia nada que eu pudesse dizer, em palavras, capaz de resolver a situação que eu contemplava na tela. Diante desse absurdo, a razão é como um par de sapatos bonitos que alguém recebe de presente e que não pode usar por serem menores que os seus pés.
Muitas vezes quis gritar durante o filme, atônito, infantil, animal e impotente. A razão insistiu imperar e não o fiz. O filme de Kohn oferece um retrato estarrecedor da corrupção, do crime e da violência no Brasil, enleando-os por um fio que se inicia no Pará, numa fazenda de rãs, passa pelo político corrupto Jader Barbalho, pela história do escandaloso roubo de bilhoes de reais da SUDAM e segue até São Paulo, a maior estatística mundial de seqüestros, onde apresenta a tétrica indústria que se ergueu em seu entorno, como o negócio dos carros blindados ou o da cirurgia plástica para reconstituição de orelhas perdidas nesses crimes.
Apenas no final do filme, porém, quando o diretor faz sua última entrevista, com Magrinho, um bandido de alguma favela paulista, o absurdo salta poderoso sobre mim e a vaidosa razão, que cai débil. Magrinho já seqüestrou muitas pessoas, já cortou seus dedos e orelhas e os enviou aos seus familiares junto com flores e um bilhete solicitando alguns milhoes de dólares; com o dinheiro, ele ajuda a comunidade em que vive, compra gás e remédio a quem precisa. Tem nove filhos; dez se contar com a atual gravidez da esposa. Sua última frase para a entrevista e imediamente antes do final do filme é "quem sabe um dos meus filhos pode ser o presidente do Brasil e endireitar?".
Na tela, no lugar antes ocupado pelo rosto encoberto do bandido, surge a bandeira nacional bailando graciosamente ao som da enérgica "Dê um rolê", dos Novos Baianos. Bem aí chorei como uma criança que desconhece o verbo e a razão. Só pude reagir assim a essa obra que me revelou, mais uma vez, o imenso e severo paradoxo do Brasil. Quantos anos tem Magrinho? Os mesmos 27 que eu? E parece se relacionar com a moral de um modo tão diferente do meu. Imagino-o pegando no chão um dedo que acabou de ser mutilado. Imagino um dos seus filhos sendo presidente. E não tenho nada contra a presidência do seu filho, não se trata disso. Não sei se o Magrinho ou se o seu filho futuro possível presidente me atordoam mais do que o também bandido Jader Barbalho. Se trata do fato disso tudo ser possível e de que isso não apenas pode existir como de fato existe: Jader Barbalho, Magrinho e o seu filho presidente - também esse último é possível - e podem ser entendidos como entidades que existem e se espalham por todo o Brasil - para falar apenas desse país.
Trilha sonora pulsante e bem escolhida.
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