A
retidão está na moda. Ao menos é o que o Face me faz pensar. De uns
tempos pra cá, todo mundo é justo e detesta corrupção. Em meio a essa
onda de honestidade esbravejada sobretudo nos espaços virtuais me
pergunto se alguma das pessoas aparentemente tão iradas estaria disposta
a abrir mão das incontáveis e pequenas corrupções que (sim!) realiza
cotidianamente para poder, depois, se enfurecer com legitimidade.
Mas
a moral do brasileiro é ambígua. E já pensei inclusive que essa dupla moral
é como um alicerce oblíquo e errado onde nossa cultura se sustenta, não
poderia ser de outra maneira: também torta e errada. Porque, pra mim,
há um erro radical aqui.
No
Brasil, as leis que regem os outros, o Outro, não regem a nós mesmos ou
a extensão do que nós somos, nossa família. Assim, nossa dupla moral diz que as leis
anticorrupção devem ser válidas e severas contra o presidente, o
prefeito da cidade, o diretor da escola, se todos eles NÃO forem membros
da minha família; mas devem poupar minha pele e a dos que têm meu sangue.
Porque
cada um sozinho pensa assim, e porque cada um no seu íntimo deseja ser
vitorioso sobre e contra todos os outros, o Brasil é do jeito que é.
Imparcialidade é um nome que brasileiro desconhece. Somos bons com nós e
os nossos, maus com os outros; tolerantes com nosso oportunismo – que
sequer é pensado nesse termo –, intolerantes com a mínima mácula alheia.
Corruptos são os outros. Nossa corrupção se chama defesa. Nós nos
defendemos; é isso o que fazemos. "É o único jeito de sobreviver à
ganância do Outro", pensamos. "É assim que funciona o sistema" –
disse-me um amigo outro dia, a um só tempo vítima e propagador desse detestável funcionamento.
Os
políticos corruptos não têm natureza diferente da nossa. Eles cresceram
no mesmo Brasil que de algum jeito silencioso nos ensinou que
precisamos tirar a máxima vantagem de todas as situações porque há os outros – que estão contra você – e há você.
Logicamente
a corrupção dos políticos alcança mais pessoas que a de um cidadão
comum. É um mero problema de escala, não de essência. Em essência, ambas
são apenas uma. Duvido que muitos dos que se encolerizam virtualmente
contra a corrupção do "Outro" entenda isso com o coração e aja, antes de
tudo, para minar a SUA desonestidade.
Estou
certo de que abandonar nosso – sim, NOSSO – funcionamento corrupto é
NOSSA mais difícil e necessária reeducação. Difícil porque a cultura da
corrupção é um círculo fechado que ninguém deseja ser o primeiro a
romper. O instinto avisa que se recusar
a ser corrupto significa morrer vítima da corrupção dos outros.
Necessário porque, se os onipresentes gritos anticorrupção forem
sinceros, há pelo menos alguns milhões de pessoas insatisfeitas com o
atual aspecto do Brasil, de fato nem tão atual assim.
No meu pessimismo eu diria que vencer esse instinto de sobrevivência e ser capaz de exceder nossa cultura da corrupção ao possível
custo de “morrer” é quase impossível. Mas insisto, porque não me custa,
que entender o sentido da palavra “imparcialidade” e que a nossa
corrupção – que chamamos de “defesa” – equivale, sim, em essência, à
corrupção dos outros e mesmo à dos políticos já é começar a romper o
nojento círculo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário