1. O dia
pós-noitada-funk-carioca. O silêncio dos amigos asiáticos
confirmou o que pensei ontem: eles não tiveram leitura pro Rio.
Pena. Eu me diverti muito. I., porém, só perguntava por Robyn.
2. A casa que nunca é
cheia (e que fique claro: isso não é uma queixa) e que o foi por
dois dias retorna subitamente ao seu habitual estado vazio. O primo,
S. e T. partem de manhã. E minha depressão
pós-party-agito-muvuca-stress começa.
3. Aproveito o deserto
do inverno e da minha alma nesse dia para enfrentar “Amour”,
último filme do Haneke, que já sabia antecipadamente que
harmonizava com esse clima lúgubre. Choro copiosamente em algumas
passagens do filme, mas depois sentencio o fim desse estado cinza de
coisas: ares mais tropicais deverão ocupar essa casa a partir de
amanhã.
4. Pensando
no primo: Por que algumas mães insistem em idealizar seus filhos
para si mesmas e os outros? Fazendo assim, agem como se fossem
incapazes de amar os filhos como eles realmente são ou como se só
pudessem amá-los bem menos do que amam os filhos por elas
idealizados.
5. Se
há um dia em que é certa a saudade do Brasil é no de ir cortar o
cabelo. No cabeleireiro, desejo compreensão, paciência e carinho.
Talvez isso até exista em algum Friseur na Alemanha, mas certamente
custa bem mais caro do que os 15€
que
estou disposto a pagar por um corte. Já faz um ano que visito um
salão porque seu slogan, quando o li pela primeira vez,
emocionou-me e fez pensar com saudosismo no fofo que cortava meu
cabelo no Coimbra, em Goiânia: “100% de paciência para o seu
cabelo”. Quisera eu ter coragem de avisar as garotas que aqui
trabalham que, na verdade, têm no máximo 60% de paciência se o
salão estiver vazio e 40 se, como hoje, estiver cheio.
6. Adoro
saber da futilidade que pode se ocultar por sob a aura sublime de I.
No reveillon ele me perguntou se conhecia a Lia Ices e eu fiquei
surpreso que ele pudesse ter conhecido esse nome sem minha ajuda. Eu
disse que a amava e perguntei de onde ele a conhecia: da série
“Girls”. Eu já tinha ouvido falar, mas temera me aproximar e
detestar por conta de futilidades à la “Sex in the city”, mas
se I., o Buda, assistia e gostava, quem era eu pra resistir a
“Girls”? Já estou no 6o episódio de 10.
7. Penso
que preciso combater uma queda capilar que identifiquei. Suplemento
de zinco? Ginco biloba? Minoxidil? Xampu contra oleosidade?
8. No
metrô para a universidade: Ouço Antony and the Johnsons como quem
deseja sentir toda a solidão do mundo e isso o faz bem.
9. No
metrô, novamente: Manhã fria, feia. Adultos infantilizados – o
que penso ser bem mais comum aqui do que no Brasil – espalhados no
meu entorno. Um, que deve ser um pouco mais velho que eu, tem o
cabelo do lado esquerdo da cabeça tingido de vermelho. E pela cara
que tem, certamente se considera muito moderno, inventivo e rebelde.
A psicologia de alguns alemães juntamente com seu senso de moda...
me comove.
10. Pergunto-me
numa das aulas do curso de Teatrologia: poderei chegar até o fim? E
o mais difícil: poderei vencer essa faculdade? Porque às vezes
penso que um filtro, um pente fino, um exame, um professor, alguém
descobrirá que sou uma fraude, um truque, um intruso e me
desencaixará desse trilho errado que tomei.
11. Na
aula: Seria mais apropriado que a aula de “Novo cinema
latinoamericano” se chamasse “Novo cinema argentino”.
12. Na
aula, de novo: Um amigo me disse essa semana que é triste quando a
elegância chega antes do dinheiro. Hoje eu diria que é triste
quando o conhecimento chega antes da língua. Um outro amigo me
disse que sou como uma criança de 2 anos porque faz pouco mais de
dois anos que falo alemão, e que ele achava bastante normal minha
desenvoltura lingüística para a idade que ele me oferecera.
Confesso que já recorri algumas vezes a esse raciocínio para me
defender. Mas o fato é que crianças de 2 anos não têm o meu
conhecimento, e a tristeza do dia foi que esperei tanto pelo
momento, raríssimo aqui, onde eu pudesse sair da minha
invisibilidade – eu sabia que o professor exibiria um filme e
falaria do Karim Aïnouz
– e ser um adulto normal, capaz de se articular em frases
corretas, complexas e interessantes sobre um tema que eu conhecia
mais do que todos os meus pares. Porém só consegui soltar frases
com a sintaxe detestavelmente corrompida. Nervosismo, ansiedade,
expectativa, medo de errar, vá saber. Pelo menos, por dignidade,
falei pouco.
13. Parece
que S. virá mesmo. S = Brasil. Brasil me faz bem. E eu nem podia
sonhar que um dia eu dissesse isso. Talvez ele só me faz bem desde
que eu não viva nele. Para pensar.
14. Na
aula de Cinema Iraniano: pela segunda vez o professor exibe um filme
dublado em alemão. Não sei se sinto mais raiva por não ser capaz
de entender muito bem os diálogos (parêntese: se fosse um filme
alemão já seria mais fácil, o que dificulta a compreensão, pra
mim, é que as bocas se mexem em desarmonia com os fonemas que
escuto) ou raiva da obsessão generalizada por conforto que existe
por aqui ao se ir ao cinema e que impossibilita as pessoas
perceberem que elas perdem muito mais com um filme dublado do que o
conforto que obtêm por não terem de ler uma legenda.
15. Considerações
sobre a neve: Desde o último fim de semana, e após uma longa pausa
nesse inverno, voltou a nevar. R. diz que a neve traz o silêncio.
Outro dia enquanto caminhávamos de um restaurante pra casa,
disse-me “ouça, que silêncio! Só com a neve esse silêncio é
possível!” Pensei, mas não disse nada, que a mim parecia que ela
trazia a lentidão, talvez também o silêncio, mas o que mais
percebo é que os flocos levam mais tempo que a chuva para atingir o
chão, então imagino que tudo, juntamente com eles, funciona em
slow motion, e penso que estou dentro de uma dessas bolas de vidro –
como a que recebi quando tinha 12 anos de uma tia que vivia nos EUA
– com um pinheiro, um Papai Noel, grãos de isopor e o interior
cheio de água a fim de que os grãos caiam, quando a bola é
agitada, lentos como os flocos de neve reais. Hoje caminhando da
estação de metrô até a universidade pensei que a neve pisada era
muito semelhante à areia úmida e fina. Dezenas de estudantes
também caminhavam, imaginei todos numa praia às avessas.
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