quinta-feira, 23 de maio de 2013

O antagônico

O antagônico
 
 
Quando o namorado propôs que deixassem o quarto do hotel em Berlim, argumentando que ia encontrar um antigo amigo que construíra uma espaçosa casa à beira do Rio Spree e que os dois poderiam se hospedar lá, onde era mais simpático e especial que o hotel, ele disse que preferia voltar à casa. Tinha pouca vontade, senão medo, de encontrar pessoas, de conviver. Mas isso último ele não disse, os dois simplesmente sabiam.
 
O namorado fez o check-out, ele fez sua mala, os dois foram à estação central. O namorado comprou hortências, ele tomou o trem. Sem as flores. Já na poltrona e com tempo, tentou entender por que decidira voltar à sua fastidiosa cidade se era Berlim e não ela que amava. Não conseguiu.
 
À caminho de casa, puxando a mala pelos seis minutos que separam sua casa da estação de metrô em que descera, e ouvindo as aves que certamente viviam ali em número maior que o de pessoas, disse, provocador, a si mesmo “provinciano, provinciano!” Não conseguiu, porém, se irritar ou sentir mal com o xingamento.
 
Ao procurar na mochila a chave para entrar no prédio, entendeu que estava sozinho. Ao girá-la duas vezes para a esquerda, já no quarto andar, instantes antes de passar pelo umbral da porta de entrada do seu apartamento, sentiu um aperto no peito. Em casa, acendeu quase todas as luzes: no escuro e na amplidão do apartamento, a solidão teria muito espaço para existir. Ligou o computador, pôs música efusiva, fez login no skype, conferiu se o telefone funcionava, imaginou estar a abrir portais de comunicação pelos quais as pessoas poderiam potencialmente se comunicar com ele. Não se entendia.

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